Quando viajei para conhecer Pernambuco, levei comigo na bagagem mais que expectativas de ver belas paisagens. O que me motivou a conhecer tal estado foi uma grande vontade de “passar a limpo” muitas estórias contadas desde que era criança. Meus pais são de lá e durante toda minha vida escutei longas descrições de como era morar no sertão, ou na roça como diziam alguns. As marcas deixadas pela seca, sem dúvida são o elemento comum a todas essas histórias, misturando-se muitas vezes às histórias dos livros que li na adolescência ou quando adulto, como Vidas Secas e Grande Sertão: Veredas, formando pinturas com detalhes impressionantes, e na maioria das vezes tristes.
Ao chegar nessas terras e vivenciar um pouco da vida rural nas casas de meus tios, não encontrei a tão falada miséria ou pobreza extrema, apenas um jeito rural de viver, as vezes meio novelesco, com direito a celular pré-pago, antena parabólica para assistir a novela, dvd da Lady Gaga e Aviões do Forró.
As escolas não são mais como aquelas do livro Menino de Engenho, e todas as crianças estão matriculadas, sendo a evasão mínima devido ao programa Bolsa Família. Em todas as cidades em que passei, os uniformes oferecidos pelas prefeituras enfeitam a paisagem, como bandeirinhas nas pinturas de Alfredo Volpi.
Nesses dias, encontrei um pouco da sinceridade que nos falta para falar dos problemas cotidianos, encontrei um pouco do deboche e do bom humor descarado nordestino para falar de tudo que temos vontade, longe da polidez muitas vezes fingida dos paulistas. No começo fiquei constrangido, mas depois entendi que “estava no sangue”.
Vi que o INSS sustenta as senhoras e senhores, aposentados rurais com a pele curtida e as marcas no rosto de tempos outrora muito difíceis. Esses por sua vez, amparam filhos e netos, que tem dificuldade de encontrar empregos fixos, com remuneração satisfatória. A fome foi substituída por uma certa fartura, com direito a muitas opções de “mistura” e refrigerante.
Á água, antes tão escassa já não aflige. Além dos açudes, as cisternas construídas pelo governo trouxeram segurança para as famílias. A luz também chegou, trazendo todas as opções, que só faltam mesmo a quem não queira.
Voltei de lá um pouco mais tranquilo, mas nada de dizer que valorizo o conforto da cidade grande, pois viver aqui ou viver lá hoje são opções que as famílias podem fazer. Minha mãe após trinta anos sem ver a terra natal, voltou consciente de que não se adapta mais, e ao mesmo tempo encontrei moradores que não entendem que vida é essa que levamos nesse “inferno” chamado São Paulo. Agora, quando ouvir as estórias nos almoços de família, não conseguirei imaginar com a mesma languidez o passado de meus pais, parecerá que estão caprichando um pouco demais nas tintas, no sofrimento de seu passado...
Abaixo, alguns detalhes atuais dessa vida rural que nos inspira a pensar em uma vida mais simples:
Aproveitando a água:
Vista de lago em Agrestina-PE: a água da chuva pode ser armazenada em pequenos lagos ou açudes, de onde é transportada para as casas. | <>
Vista externa de detalhe em cisterna, na cidade de Agrestina-PE. |
Exemplo de lanche da noite:
Nhame Queijo derretido Café Carne de bode cozida Jabá frita Pão Banana da terra cozida Castanhas de caju torradas
Variações:
Vaca atolada Sarapatel Curau e Cuscuz Tapioca Pamonha salgada
Preparando o porco para dividir entre os vizinhos:
Nesse vídeo temos um porco que foi comprado para ser dividido entre os vizinhos. Ele está sendo limpo para ser aberto. Os moradores consideram esse processo o melhor possível, pois dá garantia da procedência da carne.
Expressões regionais:
- “Dar um pitu”: enrolar, passar a pena.
- Pessoa “virada”: pessoa safada.
- Pessoa “água de cuscuz”: pessoa sem brilho.
- Pense como cheguei cedo, pense como o dia ta lindo, pense como choveu ontem...
- Merendar: comer uma das refeições.
- Dudu: geladinho.
Caçando e pescando:
Caçar nos sítios é uma atividade comum. Nas casas encontramos espingardas utilizadas para essa prática. Além da caça a pesca também faz parte da rotina de alguns. |
Vista externa do açougue público municipal em Cupira-PE. |
Vista externa em feira de Cupira-PE: venda de cds piratas é prática comum. |
Vista interna do mercado público municipal de Cupira-PE: aqui é vendida a produção das famílias que moram nos sítios. Feijão, farinha de mandioca, milho etc.. |
Vista de uma barraca de queijos em feira de Cupira-PE: produção caseira é levada as feiras para comercialização. |
Transporte de pessoas:
Vista interna de transporte utilizado na cidade de Agrestina-PE: o aperto faz parte do transporte para chegar as áreas mais afastadas. |
Vista de estrada de terra na cidade de Agrestina-PE: nos períodos de chuva o transporte com ônibus fica impossibilitado, permitindo-se apenas a passagem com motos ou carros com tração. |
Plantação de mandioca em sitio de Agrestina-PE: após crescerem arrancados e as raízes são descascadas para processamento. |
Vista interna de casa de farinha comunitária em Agrestina-PE: após ser descascada e lavada a mandioca é colocada nesse processador elétrico para ser triturada. |
Vista interna de casa de farinha comunitária em Agrestina-PE: a mandioca triturada é colocada em sacos e prensada nessa outra máquina, para retirar o excesso de água. |
Vista externa de casa de farinha comunitária em Agrestina-PE: local onde é alimentado o forno que seca a farinha, nos fundos da casa. |
Vista de feira em Cupira-PE: Nas feiras é vendida a farinha produzida pelas famílias ou a "puba" (foto) , utilizada para fazer tapioca. |
Lidando com a morte
Vista de rua em Agrestina-PE: monumentos como esses são colocados em ruas ou estradas, no local onde um dos moradores morre, por causas naturais ou "morte matada". |
Enfrentando os mosquitos
Vista interna de casa em Agrestina-PE: possuir um mosqueteiro é essencial, pelo grande número de pernilongos (ou murissocas), seja nos sítios ou nas casas da cidade. |
A beleza que vem da simplicidade
Vista de casa em de sítio de Agrestina-PE: detalhes da decoração de casa (porta toalhas de cozinha). |
Vista de casa em de sitio de Agrestina-PE: detalhes da decoração de casa (suporte para utensílios de cozinha). |
Vista de casa em de sitio de Agrestina-PE: detalhes da decoração de casa (suporte para copos e canecas). |
Vista de casa em de sitio de Agrestina-PE: detalhes da decoração de casa (suporte para itens de limpeza). |
Vista de casa em de sitio de Agrestina-PE: detalhes da decoração de casa (suporte para itens de cozinha). |
Bebendo água de coco
Vista de sitio em Agrestina-PE: a maioria das casas possui coqueiros para consumo familiar. |
Vista de sitio em Agrestina-PE: após ser retirado, o coco verde é cortado para que se possa beber a água. |
Vista de sitio em Agrestina-PE. |
Vista de sitio em Agrestina-PE: se o coco já estiver seco, pode-se retirar a casca, obtendo-se o mesmo coco que compramos no mercado. |
Vista de sitio em Agrestina-PE: coco seco, retirado no quintal de casa! |
Preparando o feijão para vender
Vista de feijão secando em sitio de Agrestina-PE: após ser plantado nas lavouras pelas famílias, o feijão é arrancado e colocado para secar, evitando assim que brote. |
Vista de feijão sendo "batido" em sitio de Agrestina-PE: esse processo faz com que o feijão seja separado de sua casca. |
Fogão de lenha
Vista de fogão a lenha, em sitio de Agrestina-PE: praticamente todas as casas possuem além de fogões modernos, um fogão a lenha nos fundos, seja para assar um milho ou mesmo para cozinhar. |
Vista de fogão a lenha, em sitio de Agrestina-PE. |
Me concedes o direito de me emocionar com esse relato? :)
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