terça-feira, 29 de novembro de 2011

Por que você tem medo dessa imagem?


(foto retirada do site: omideyin.arteblog.com.br)


Quando tinha cerca de 10 anos, sempre que passava próximo a uma casa de Umbanda lembro-me que segurava a respiração para não sentir aquele cheiro que para mim parecia saído diretamente das profundezas do inferno. Hoje mesmo sabendo que aquele odor é do incenso tenho muita dificuldade em ficar em locais perfumados tão comuns atualmente, após a globalização os terem elevado ao status de energizadores de ambientes. Também tenho certa dificuldade, apesar de amar a Maria Bethânia, de ouvir com tranquilidade alguns de seus clássicos,  quando palavras de origem africana que não conheço me deixam com uma sensação ruim, difícil de explicar.

O que me fez resgatar essas sensações tão distantes é buscar elementos para entender por que quando pensamos em aspectos da cultura do Candomblé ou da Umbanda nos transportamos para um mundo maligno. Por que quando vemos imagens como a representada acima nos sentimos mal, com calafrios como ao assistir um filme de terror? Essa imagem de Oxum – o nome já é ofensivo para grande parte da população -  Deusa do amor e da beleza - sim, amor e beleza  - é evocada em muitas cerimônias com bons propósitos. Se é essa a explicação e se não conhecemos suas origens, de onde vem tanta aversão? O que leva a pensarmos que a imagem acima é a personificação do demônio?

Ao buscarmos uma explicação, vemos que em nossa história as religiões africanas – no plural, pois são várias - sofreram durante séculos com a perseguição implacável da igreja católica, e até pouco tempo eram proibidas pela Constituição. Quando os africanos escravizados desembarcaram no Brasil no século XVI, seus cultos foram proibidos, tratados como bruxaria. Essa atitude obrigou os africanos a disfarçarem seus deuses em santos católicos, dando origem ao sincretismo religioso, muito forte em algumas partes do país – como na Bahia -  até os dias de hoje. Quando rezavam para Nossa Senhora da Conceição, por exemplo, estavam falando com Iemanjá. O legado musical de Maria Bethânia retrata muito bem essa mistura.

Antes da constituição de 1988 que institui a liberdade dos cultos religiosos os templos de Umbanda eram invadidos por policiais e seus praticantes presos (mesmo a constituição imperial de  1824 permitindo a liberdade de crença, a liberdade de culto era exclusiva a religião católica e as demais só poderiam exercê-la dentro de suas casas e não em locais coletivos). Todo esse passado de discriminação é a fonte onde bebemos e fomos educados. Assim, não conseguimos sequer pensar nessas práticas religiosas como algo que seja positivo para alguém. Muitos não percebem que essa aversão é na verdade produzida discursivamente durante muito tempo por uma religião dominante, que se impõe sobre as demais e as trata como exóticas, ou malignas. A história da humanidade  nos mostra isso com bons – ou terríveis- exemplos.
E como sair desse arquétipo produzido durante séculos? Não defendo que sejam realizadas aulas de educação religiosa ou que os pais e alunos sejam forçados a assistir apresentações de candomblé para perder o “medo”. O que defendo é que essas questões sejam apresentadas dentro de um contexto de pluralidade cultural, onde as várias representações da cultura – onde a  religião se inclui – tenham seu reconhecimento. Como nos mostram os PCN’s, precisamos encontrar formas de abordar respeitosamente expressões desconhecidas, sem estranhamento e sem deboche.

Como não conseguimos aceitar  a legitimidade e a importância da cultura afro-brasileira em nosso pais a saída é reservar um mês – novembro - para “comemorar”. Imposta por uma lei - nº 10.639 de 09/01/2003- que institui uma data para o dia nacional da consciência negra -20 de novembro - e a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas, essa nova agenda fez com que  professores se vissem obrigados a ensinar algo que muitas vezes percebem como abominável. Assim a contribuição africana é representada como História, como folclore, como algo estático, quase morto e que não existe de fato em nossas vidas, se não apenas como um retrato, uma representação de algo distante. Fora desse contexto tudo continua como está e o preconceito permanece. Isso é apenas - quando muito-  ensinar a História.

Ensinar a Cultura afro-brasileira do contrário é percebê-la como algo vivo, em movimento e influenciando nosso mundo hoje, relacionando-se também com as questões sociais.  Não se trata de evocar os cultos, mas deixar de vê-los como malignos e nesse papel acredito que os professores devem promover o debate em sala e quebrar esses tabus. Não podemos ser inocentes a ponto de desconsiderar que as representações  da Umbanda e Candomblé estão indissociadas no imaginário popular como representação da etnia negra, e como estereotipo negativo que são (representando algo maligno) reforçam a figura dos negros e seus descendentes como pessoas inferiores, algo que falamos freqüentemente em reverter dentro da escola e na sociedade. Aceitar a equidade entre o Catolicismo e o Candomblé em termos culturais é aceitar a equidade de suas origens, a equidade entre o “homem branco” europeu e o negro africano.

Muitos professores, sobre essa questão levantam a bandeira da escola laica. Porém, quando  compramos chocolates na Páscoa- morte e ressurreição de Cristo- , fazemos festa na semana da criança – feriado de Nossa Senhora Aparecida-  ou decoramos a escola no natal- nascimento do menino Jesus-,  nos esquecemos de que são festividades religiosas e que muitos cultos não os aceitam. Mas culturalmente esse calendário faz parte de nossas vidas e o reproduzimos sem perceber seu caráter religioso. Acredito que esse viés cultural é a ponte de ligação para a pluralidade de religiões, dentro de um espaço democrático. A cultura não é algo morto ou estático, mas algo vivo que nos influencia e é influenciada por nossas ações. Assim, a  emergência dessa temática dentro do debate escolar é tão grande que não podemos continuar nos omitindo, fingindo que trabalhamos o tema como manda a lei.

Pensem sobre isso amigos professores!

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